sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Sinistralidade Rodoviária: A Essência do Problema


No nosso país a questão da sinistralidade rodoviária é assunto frequente de debate, em virtude dos elevados níveis de vítimas e feridos devidos a acidentes rodoviários - em 2005 o número de mortos por milhão de habitantes em Portugal foi mais do dobro que no Reino Unido! -, no entanto, raramente se aborda a essência do problema: que qualificações (em termos de gestão de tráfego, sinalização, geometria de vias, segurança rodoviária e veículos) têm os profissionais que projectam/gerem as vias? A resposta é, na grande maioria, muito reduzida! Não admira portanto que a taxa de sinistralidade no nosso país seja das mais altas da União Europeia, os congestionamentos frequentes e que não haja uma cultura de exigência neste domínio.
Portugal é um país sem tradição em termos de conhecimento de Engenharia de Vias de Comunicação; a prová-lo temos o reduzido número de normas/livros (sobre tráfego/segurança) editados em Portugal, e encontrá-los em livrarias constituí uma tarefa quase impossível, situação completamente oposta temos, por exemplo, no Reino Unido e na França onde o número de publicações é muitíssimo elevado.Imagine-se que quando temos um problema de saúde, em vez de irmos a um Médico Especialista, íamos a um Designer ou a um Eng. Agrónomo –qual seria o resultado? Em termos de projectos viários passa-se algo de semelhante, daí que as nossas vias estejam repletas de erros que até o cidadão comum consegue facilmente detectar. Verifica-se uma enorme diferença entre o veículo e a infra-estrutura; se por um lado os veículos atingiram elevados níveis de segurança e conforto o mesmo não acontece nas vias portuguesas onde, por exemplo, em vias urbanas princípios básicos da engenharia de tráfego são frequentemente ignorados.
Deveria ser requisito obrigatório uma especialização aos autores dos projectos de traçado e sinalização de vias (vias urbanas, rápidas e rurais), à semelhança das especializações na medicina, ou então, poderia ser criado um curso superior de raiz (em Espanha existem os Ingenieros de Caminos, Canales y Puertos). Uma via para ser segura e funcionar com qualidade deverá logo numa fase de planeamento – e não apenas no projecto – ser acompanhada por especialistas.
Importa destacar o trabalho desenvolvido pelo Observatório de Segurança de Estradas e Cidades que, ao contrário da comum passividade e conivência com a mediocridade, tem vindo a denunciar situações graves e a propor soluções concretas.
O projecto viário possui especificidades próprias que o distinguem de outras áreas de conhecimento - a fase de planeamento e a perspicácia na análise de projecto são muito importantes. São inúmeros os factores que influenciam a segurança de uma via, de que são exemplos as: distâncias de visibilidade, os volumes de tráfego, os tipos de veículos, os raios das curvas e respectiva variação, as inclinações transversais e longitudinais, o controlo das velocidades, a existência ou não de separador, o estacionamento ilegal, a iluminação, a sinalização e nível de qualidade do equipamento de segurança, o tipo de pavimento e drenagem, etc..
Torna-se pois necessário definir claramente quem deverá planear, projectar e gerir as vias em Portugal, adoptar critérios de rigor e exigência, sob pena desta situação continuar sem fim à vista.

Sinistralidade Rodoviária: A Essência do Problema
, Nuno Miguel Soares Martins de Carvalho, artigo publicado no jornal diário “O PRIMEIRO DE JANEIRO”, 14 de Novembro 2007.