sábado, 28 de fevereiro de 2009

Ratices e impunidades

«Passou sem escândalo a sentença que condenou um empresário a pagar cinco mil euros por ter tentado corromper um vereador. Ficou provado o crime de corrupção activa, mas nem por isso as nossas leis penais reconhecem especial gravidade ao acto.»

«A história é simples. O empresário da construção civil Domingos Névoa tentou "comprar" há três anos o então candidato a vereador da Câmara de Lisboa José Sá Fernandes. Ofereceu-lhe 200 mil euros para que desistisse da acção popular com que pretendia anular o negócio de permuta dos terrenos do Parque Mayer pelos da Feira Popular. Um negócio feito entre o município e uma das empresas do grupo Bragaparques e que deixou muitas dúvidas. Segunda-feira, o Tribunal da Boa-Hora entendeu que estava provado o crime, um crime de corrupção activa. É raro provar-se um crime deste tipo. Normalmente não deixa rasto. Este ficou gravado. As conversas entre o empresário e o irmão do vereador ficaram registadas, o que permitiu provar a tentativa de corrupção.»

«É grave o caso. Representa um modo de operar, o sequestro da vontade política de um cidadão investido na representação eleitoral. Justifica um castigo pesado e uma reprovação social sem equívocos. Temos demasiadas razões para pensar que o combate à corrupção não é valorizado pelo poder político e que não é um acaso a leveza penal. A corrupção remete para a mais extrema perversão do estado de direito, para um ambiente de putrefacção insuportável. E basta olhar para a atitude desafiadora do corruptor para se perceber melhor o precedente. Névoa pede "charutadas" a Sá Fernandes, um sinónimo, neste caso, de ataques ao Presidente da República, que não autorizou a construção de um casino no Parque Mayer. Confessa gostar e perceber de "ratices" num país muito dado a impunidades.»

«É tempo dos legisladores perceberem que não se deve transigir na punição da corrupção, qualquer que seja a sua tipificação. É ridículo, se não fosse grave, que os poderes públicos não se dêem conta da erosão da sua autoridade e do seu crédito, que não percebam que, ao desvalorizarem a captura das suas decisões por interesses particulares, estão a dissolver o estado de direito e a fragilizar a democracia. Será que nenhum deputado descobriu que já é tempo de criminalizar e punir o enriquecimento ilícito? Em Portugal, enriquecer ilicitamente não é crime. A magistrada Maria José Morgado está farta de alertar para este "esquecimento" de tantos laboriosos reformistas de uma justiça falhada. E deixa a pergunta, que merece ser repetida: "Quantos anos vamos ter de esperar?" Em tempo de crise profunda e prolongada a transigência com a corrupção é também ela um crime. Insuportável.»

Diário Económico (versão on-line), 27 Fev. 2009, extractos de um artigo de António José Teixeira.