segunda-feira, 5 de maio de 2008

Case study - Sucesso Fiat


A recuperação impressionante da Fiat tem um rosto: Sergio Marchionne. Não é um acaso. Nascido em Itália e educado no Canadá, Marchionne teve uma educação anglo-saxónica. Esse facto contribuiu decisivamente para uma mudança de estilo na gestão de uma empresa outrora 100% familiar. Comunicativo, sóbrio, eficaz e open-minded, Marchionne não destruiu o sistema Fiat, moldou-o para novos desafios. Trabalhou com os políticos, sindicatos e banqueiros italianos, e fê-los acreditar na sua liderança, mantendo sempre presente que era possível reconstruir em vez de destruir e criar diferente.

Quando Sergio Marchionne entra em Junho de 2004, a Fiat, conhecida pelos seus modelos frágeis e pouco apelativos esteticamente, tinha a sua produção industrial a 70% da sua capacidade anual de 2.5 milhões de automóveis. As fábricas italianas eram notoriamente inflexíveis devido ao poder dos sindicatos e à falta de investimento. A dívida líquida do grupo tinha chegado aos 4.4 bilhões de dólares, o cash flow era reduzido, e uma obrigação convertível de 3 bilhões de dólares vencia dentro de 15 meses.

Marchionne começou por estabilizar a situação financeira da Fiat. Saiu bem de um negócio desvantajoso com a General Motors, recebendo ainda uma indemnização de 2 biliões de dólares. Pagou dívidas de longo prazo aos bancos. Reduziu e renovou a administração, colocando gestores mais novos e introduzindo uma cultura de transparência e honestidade. Estabeleceu objectivos claros para a sua equipa e deu-lhes o apoio necessário. Iniciou uma práctica de standardização de partes de automóvel, para que pudessem ser partilhadas pelas 3 marcas do grupo. Antes de 2005, cada peça num Alfa Romeu, mesmo um parafuso, era diferente de uma peça Fiat. Em 2006, o grupo usava 19 plataformas diferentes. Em 2012, terá apenas 6.

A mudança de mentalidade na gestão foi especialmente sentida no design e no marketing. O símbolo da Fiat foi alterado para uma versão vintage, ligeiramente renovada. A imagem de carro fashion foi simbolizada no restyling do Lancia Musa e na contratação da Carla Bruni, uma musa italiana, para fazer o anúncio. Estava dado o mote para uma renovação total do design automóvel. O lema era pensar no que as pessoas valorizavam num carro, e torná-lo emocional, sem excêntricidade mas com risco. Tinha chegado a hora da "engenharia virtual".

Arrumada a casa, o resultado da nova mentalidade chegou com os novos modelos. O Grande Punto, o primeiro modelo da era Marchionne, chegou e convenceu. Com estilo e uma rara sensação de qualidade vista num modelo Fiat, o carro foi um sucesso instantâneo e prevê-se que as vendas cheguem este ano a 1 milhão de unidades. Em 2007, chega o Bravo. Comparemos este modelo com o seu antecessor, o Stilo. A mudança ao nível do design é tremenda, e de facto mostra que a renovação sentiu-se imediatamente no aspecto exterior dos novos automóveis. O Bravo é, de facto, um carro bonito. Vejamos o que costumava ser feito. O Lancia Thesis, arrojado e excêntrico, terminou a sua era com um prejuízo de 1.2 biliões de dólares. O Fiat Multipla, muito inovador, mas pouco apelativo. O Bravo (e o Fiat 500) mostrou-nos outra realidade na transformação da Fiat. A capacidade de desenvolver automóveis em muito menos tempo (desde a escolha do design até à produção), 18 meses contra 26 do Stilo. Deste modo, a Fiat pode gerir muito melhor as expectativas do consumidor, anunciando o design ou o protótipo do automóvel, e lançando-o pouco tempo depois. O design implacável tem o seu ex-libris em dois modelos: o Alfa Romeu 8C Spider e o novo Lancia Delta. São deslumbrantes.

As mudanças reflectiram-se a todos os níveis. A Alfa Romeu deixou de usar motores americanos nos seus carros, e a tecnologia premium da Fiat deixou de ser vendida aos rivais. A nova tecnologia power-train da Fiat permite à marca oferecer motores que cumprem os requisitos de emissões de dióxido de carbono impostos pela Comissão Europeia. É a primeira marca a respeitar as condições impostas pela Euro5, com motores diesel equipados nos seus automóveis. Prepara uma nova vaga de motores, Multiair. Usando uma patente Fiat, o primeiro motor que será lançado no próximo ano será um 80hp de 2 cilindros turbo 900cc, que emite apenas 69g de CO2 por km, apenas metade do exigido pela UE em 2012.

A decisão mais corajosa, se bem que arriscada, é a de lançar a Alfa Romeu no mercado americano (depois do flop dos anos 90). Acho, pessoalmente, que a marca tem tudo para singrar neste mercado. Precisa, no entanto, de se afirmar como uma marca de design e qualidade, nem sempre acessível a todos os bolsos.

Os efeitos deste re-branding total da marca Fiat são claros. Os lucros do grupo chegaram aos 1.1 biliões de dólares no 1º trimestre de 2008, mais 29% que no período homólogo. Já em 2007, o lucro tinha sido superior em 66% face a 2006, chegando aos 3.2 biliões de euros.

Este re-branding ameaça seriamente tornar-se um case study nas principais universidades mundiais.

Fonte: The Economist