terça-feira, 18 de março de 2008

D. João de Castro


Carta que D. João de Castro (1500-1548) escreveu de Diu à cidade de Goa, em 23 de Novembro de 1546.

(1ª Parte)

«Senhores Vereadores, Juízes, e Povo da muito nobre, e sempre leal Cidade de Goa ; os dias passados vos escrevi por Simão Alvares Cidadão dessa cidade as novas da vitória, que me nosso Senhor deu contra os Capitaens de ElRey de Cambaya, e calley na carta os trabalhos, e grandes necessidades em que ficava; porque lograsses mais inteiramente o prazer, e contentamento da vitória; mas já agora me pareceo necessário não dissimular mais tempo, e darvos conta dos trabalhos em que fico, e pedirvos ajuda para poder supprir, e remediar tamanhas cousas, como tenho entre mãos; porque eu tenho a fortaleza de Diu derribar até ao cimento, sem se poder aproveitar hum só palmo de parede; de maneira, que não somente he necessário fabricala este verão de novo, mas ainda de tal arte, e maneira, que perca as esperanças ElRey de Cambaya, de em nenhum tempo a poder tomar. E com este trabalho tenho outro igual, ou superior a elle aldemenos para mim muito mais incomparável de todos, que são as grandes oppressoens, e contínuos achaques, que me dão os Lasquerius por paga, de que lhes eu dou muita certeza, porque de outra maneira se me hirão todos, e ficarey só nesta fortaleza, o que será occasião de me ver em grande perigo, e por este respeito toda a Índia; como quer que os Capitaens de ElRey de Cambaya com a gente que ficou do desbarato, estão em Suna, que he duas leguas desta fortaleza, e ElRey lhes manda cada dia engrossar seu campo com gente de pé, e de cavalo, fazendo muitas amostras de tornar a tentar a fortuna, em querer dar outra batalha, para as quais coisas me he grandemente necessário certa soma de dinheiro; pelo que vos peço muito por merce, que por quanto isto importa ao serviço de ElRey nosso senhor, e por quanto cumpre a vossas honras, e lealdades levardes avante vosso antigo costume, e grande virtude, que he acodirdes sempre às estremas necessidades de Sua Alteza, como bons e leais vassalos seus, e pelo grande, e entranhavel amor, que a todos vos tenho, me querais emprestar vinte mil pardaos,»…